Ela queria mudar o mundo, mas o mundo já havia mudado tanto em si que, às vezes, se achava impotente como um refém de uma guerra que sequer era sua. Já havia aprendido a não expor suas aflições para evitar os típicos comentários que se seguiam “Você precisa de um namorado, alguém que cuide de você. Sozinha não dá pra ficar, sozinha assim, ninguém aguenta!”. Estava solteira, é claro. Mas não se via sozinha. Aliás, na maior parte do tempo se via sobrecarregada de sonhos, planos, gente, gestos e festas. Se dizia independente, no entanto, em noites chuvosas de domingo era também uma apaixonada encubada. Não dispensava uma boa comédia romântica, nem uma garrafa de vinho. Qualquer coisa que a fizesse sentir esperança. As outras garotas, talvez, só buscassem uma paixão. O que ela queria ainda não podia ser nomeado. Não era aquela ínfima completude de outro corpo, nem o leviano apego de dedos entrelaçados, ela não queria ser diferente de ninguém, mas desejava ser única para alguém.
Às vezes, quando via algum carro parado à porta do seu prédio desejava que fosse a sua espera. Desejava que o telefone tocasse em certas madrugadas com algum pedido inconveniente que a fizesse saltar da cama. Desejava que ao pedir informação a alguém na rua, acontecesse aquela sintonia de olhares e terminassem a noite em um jantar. Desejava uma mensagem de texto às três da manhã em um claro pedido de socorro dizendo “Preciso te ver agora mesmo”. Mas que mal havia nisso, afinal? Uma garota pode sonhar, não pode? Aos 25 anos, ela não se sentia vazia, mas sim, sobrecarregada de sentimentos sem ter a quem doar. Era disso que mais sentia falta: transbordar por alguém. Enlouquecer em dias quentes, dormir no peito dele e sincronizar a respiração, não ter razão especial pra dizer que lhe ama. Sentia falta da inconsequência do desejo, de impotência de um coração desarmado. Havia se preparado tanto para aquilo que agora, por incrível que parecesse, não sabia o que fazer.
Eventualmente, arranjou um namoradinho mais pela pressão que sentia de tê-lo do que pelo desejo de que aquele cara pudesse mudar sua vida. Dia após dia, vestia seu melhor personagem de namorada perfeita: carícias em público, apelos em redes sociais, mimos, apelidos. Era o que tinha que ser e, por vezes, até era agradável. Com o tempo, acostumou-se a ter quem gostasse dela como uma certeza de que a solidão não mais a incomodaria. Mas não tardou a descobrir que ainda pior do que estar sozinha era ter a quem fizesse sentir só. Mesmo assim mantéu, a custo de alguns anos e vários choros, o título que podia exibir na ceia de Natal. Ela, que sempre se viu livre, acomodava-se em ter dono.
Somente quando ele lhe pediu em casamento, sua ficha caiu sobre com quem estava. Não era ele, não podia ser. Ainda nem tinha chegado a sentir tudo aquilo que desejara. Aliás, sentia nojo de si mesma, repúdio. Como pudera passar tanto tempo a viver uma história que nunca foi sua? Onde estava enquanto sua vida passava nos braços de outro? Sentia-se cansada, derrotada. Queria voltar correndo pra casa dos pais. Queria voltar correndo para o mundo dos sonhos em que tinha esperança o suficiente de que sua vida não seria assim. Não suportaria por mais nem um minuto viver do resto do que não deu certo.
Passados alguns dias de frustrações e conflitos internos, descobriu que ninguém entendia o que ela sentia tão bem quanto si mesma. Percebeu o que não queria admitir desde menina: estava realmente sozinha. Mas pela primeira vez em toda sua vida descobriu que essa era a melhor coisa que poderia lhe acontecer. Ela tirou do rosto a maquiagem borrada, do fundo da gaveta o passaporte e do peito o medo que emergia. Naquele momento, diante de sua própria imagem no espelho viu a mulher que havia se tornado. Não precisava de alguém pra lhe dizer isso, quem dirá, um homem!
Decidiu buscar a si mais do que a qualquer coisa, decidiu pelo o que a fizesse feliz por uma vida ou um momento. Não foi fácil como parece. Passou dias e noites sentindo-se dilacerada pelo sofrimento, acabada. Chegou ao ponto de se questionar porque havia sequer começado com a busca. Mas dessa vez, não se entregou. Dessa vez, tinha que ser alguém especial, tinha que lhe arrancar suspiros, tinha que lhe fazer perder a cabeça. Já havia perdido tempo demais com as pessoas erradas, já havia se subestimado por tempo bastante. A cada dia sentia-se melhor consigo, descobria-se mais forte. Não demorou para descobrir que as rupturas de antigos amores lhe faziam completa. Foi preciso passar por tudo que passou, agora ela entendia. Ela queria mudar o mundo, mas aprendeu a mudar o que não podia aceitar e abrir mão do que lhe fugia o controle. O que ela sentia ainda não podia ser nomeado. Não era aquela ínfima completude de outro corpo, nem o leviano apego de dedos entrelaçados, ela não queria ser diferente de ninguém, mas era única. Era dela. Uma pena para aqueles que não puderam acompanha-la porque ao contrário de tantas outras, ela não morria de amores por alguém; ela vivia por amor a si mesma.